Escrito por: Verônica Falcão

Comitiva formada por Universidades e Técnicos realizam escuta em Serra do Mel(RN)

Trabalhadores rurais que arrendaram lotes para Voltália instalar aerogeradores e painéis solares reclamam dos contratos, dos impactos e da falta de estudos socioambientais

FOTO: FETARN

Uma comitiva da sociedade civil formada por universidades, técnicos de organizações que atuam na área de direitos humanos, de trabalho e de impactos socioambientais das energias renováveis realizaram, na última semana, uma visita ao município de Serra do Mel (RN), distante cerca de 320Km da capital do estado.

A viagem foi fruto de encaminhamento de uma audiência pública que aconteceu em Natal, no dia 11 de julho, e discutiu uma ação civil pública, coletiva contra a multinacional Voltalia, de energia eólica e solar, que busca reparações a cerca de 150 trabalhadores rurais de Serra do Mel(RN).

A visita coincidiu com uma ida da comitiva interministerial da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, ligada à Secretaria-Geral da Presidência da República, que também contou com deputados estaduais e realizou uma escuta pública em Serra do Mel, com moradores e representantes do governo local.

FOTO: SAR

Cinco décadas após sua fundação, enquanto projeto de colonização do Governo do estado, a Serra do Mel(1972), além da cajucultura e da produção de mel, passou também a produzir energia renovável. “Quando a Voltalia chegou aqui, em 2010, estávamos enfrentando uma seca severa e uma infestação de mosca branca. Nos disseram que não precisávamos mais trabalhar com caju e abelha porque íamos enricar com as eólicas”, contou o produtor rural Raimundo Henrique de Mendonça, o “Edu”, dono de três lotes.

O que veio depois, no relato de Edu, é o mesmo de outros moradores do local: não houve comunicação prévia sobre desmatamento da Caatinga para usinas solares, o que atrapalhou a manutenção dos cajueiros e da produção de mel, nem conhecimento sobre o impacto potencial na saúde causado pela proximidade das torres eólicas: as pás dos aerogeradores geram sons que podem afetar o sistema nervoso central, causando a chamada “síndrome da turbina eólica”, associada a distúrbios como insônia, ansiedade e depressão.

Além disso, parte dos produtores familiares do município enfrentam consequências de contratos abusivos de arrendamento de seus lotes para a instalação das usinas, em que os mesmos não conseguem encerrá-los devido à disparidade de conhecimento jurídico entre as partes, cláusulas e condições injustas ocasionando a perda do direito à aposentadoria especial e crédito rural, bem como retornos financeiros menores do que os "prometidos". Ninguém “enricou”, como foi dito ao assinatura dos papéis.

A ação Civil Pública movida contra a Voltalia do Brasil e a sua matriz na França, foi ajuizada pela FETARN, que tem registro sindical válido, o que lhe permite representar os produtores de forma coletiva, sem a necessidade de procurações individuais. Além dela, a Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Norte (CUT-RN) e o SAR. A ação é motivada pelos graves impactos socioambientais e econômicos decorrentes da instalação de 40 usinas eólicas das quais, 36 já se encontram em funcionamento. A ideia é que o valor seja gerido pelo Ministério Público e as entidades respeitando o desejo dos agricultores familiares de como ele será gerido.

“Não somos contra a energia eólica ou contra qualquer empresa do ramo”, afirma o presidente da FETARN (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Rio Grande do Norte), Erivam do Carmo, uma das três organizações que conduzem a ação coletiva. “A federação é a favor da revisão dos contratos firmados com agricultores familiares, bem como a reparação integral dos danos decorrentes dos impactos causados pelos empreendimentos, além de reconhecimento por dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar.”

Na ação as entidades solicitam a revisão dos contratos - alguns de até de 50 anos -, a manutenção da remuneração mensal baseada no valor da energia gerada (kWh) e o apoio psicológico e médico para quem teve sua saúde afetada, bem como reconhecimento por dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar.
"A ideia de que o Nordeste é seco e que as eólicas iriam produzir dinheiro e desenvolvimento para região é uma mentira que foi usada como desculpa para justificar a instalação desses empreendimentos em todo o Nordeste, sem debater com a população e explicar as consequências", destaca Irailson Nunes, presidente da CUT-RN.

"A transição energética precisa ser justa e popular. Não é aceitável que comunidades rurais e trabalhadores e trabalhadoras do campo arquem com os custos sociais, ambientais e humanos do chamado 'progresso verde'. As vozes dos territórios atingidos precisam ser ouvidas com seriedade e respeito”, diz Jean Pierre, educador social do SAR. “Estamos falando de violações reais: contratos abusivos, perdas de direitos previdenciários, impactos na saúde e danos irreversíveis ao modo de vida de famílias agricultoras. É possível, sim, ter energias renováveis com justiça, com salvaguardas e com reparação dos danos causados. O que está em jogo é a dignidade das pessoas e o futuro dos territórios."

Os agricultores familiares e as entidades acusam a multinacional de outras violações como danos socioambientais com impactos à paisagem, aos animais, à produção agrícola e à saúde das pessoas e de instalar eólicas muito próximas às suas casas e plantações; de não ter produzido estudo de impacto ambiental, entre outras.

 

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